19.2.06

DOIS FILMES GÊMEOS

Vou comentar hoje dois filmes feitos em lugares diferentes do globo terrestre, por pessoas que não se conheciam, mas que cultuavam os mesmos deuses, tinham valore semelhantes e tentaram fazer mais ou menos a mesma coisa, com resultados igualmente satisfatórios

UM LOBISOMEM NA AMAZÔNIA

Eu comecei a ler muitas resenhas negativas de amigos sobre esse filme... que era trash demais, que não dava nem prá rir, que era mal feito. Cheguei a me assustar um pouco, mas foi só ver duas cenas para perceber que Ivan Cardoso continuava o mesmo. Ou seja, fez um filme em que o tempo parece ter parado nos anos 70, quando Ivan começou a fazer chanchadas extemporâneas, cheias de sacanagem e referência às produções 'B' de horror dos anos 30, 40 e 50. É claro que aqueles que analisam filmes procurando buracos de roteiro tiveram seu dia de glória: o personagem do cientista louco (vivido por Paul Naschy, que terá um parágrafo só para si) parece ter um objetivo em cada cena (revolucionar a genética, curar sua doença, criar um exército de amazonas, encontrar o seu amor, dominar o mundo...), o 'núcleo jovem' dá a impressão de não ter nada na cabeça... mas desde quando isso aqui é um filme sério? Se fosse, eu protestaria amargamente contra os personagens de Toni Tornado (um detetive da polícia que acha que tudo é crime passional) e Nuno Leal Maia (um cientista americano,num desempenho hilariante), ou principalmente, do Secretário de Segurança da Amazônia (vivido pelo ator que faz a voz do Scooby Doo na dublagem brasileira, que eu não me lembro o nome). Resumindo, trata-se de um dos filmes mais engraçados feitos nos últimos anos, e ter sido feito no Brasil, país com tradição limitada no gênero,aumenta ainda mais o feito.
Tenho minhas dúvidas se as (várias) pessoas que não conhecem Paul Naschy terão idéia de seu quilate. Roteirista, diretor, inventor do cinema de horror na Espanha (aonde ele provou que o país poderia fazer filmes do gênero, algo que nunca havia sido tentado antes de seus filmes pioneiros), ele é uma personalidade em toda a Europa. Seu desempenho apatetado no filme é hilariante, ele parece emular Bela Lugosi em seus dias de Monogram. O velhino dá a impressão de estar se divertindo muito nas cenas em que aparece com as meninas de topless ao ser redor, ou quando agarra a rainha das amazonas. Ótima presença.
LOST SKELETON OF KADAVRA

Uma das melhores estréias dos últimos anos. O épico de Larry Blamire, gravado nas Bronson Canyons (parque estadual perto de Hollywood aonde dezenas de filmes de ficção científica e westerns foram rodados) em 2001, é a melhor emulação do sci fi dos anos 50. Tem tudo: mutantes, alienígenas, miniaturas, diálogos bizarros... e é uma sátira super afetuosa, de alguém que conhece e ama o gênero. E o roteiro é um achado: tem vários ápices sucessivos (o jantar, a dança de mambo, a perseguição final, o esqueleto do título...). Os diálogos empolados, comuns nas produções emuladas por aqui, estão todos lá, com resultados quase sempre hilariantes (Larry diz, várias vezes e em várias circunstâncias diferentes, que é um cientista) A parte técnica é muito bem bolada. Fotografado em vídeo digital, parece 16mm em preto e branco. Os atores, todos amadores (amigos de Larry Blamire, inclusive sua mulher),cumprem espetacularmente seu papel. Parecem os canastrões que apareciam nos filmes das produtoras 'b' dos anos 30 e 40.
A história do filme é interessantíssima: foi rodado por Blamire de forma independente e, depois de algumas exibições nos festivais de horror (os únicos que aceitaram o filme), o mesmo foi comprado pela Columbia, que o lançou nos cinemas e em DVD. Por que não saiu no Brasil? Ninguém explica.

9.2.06

(MAIS) DUAS MORTES

Eu não gostaria de tornar este blog uma coisa meio mórbida, mas essa semana, que 'começou' para mim com o falecimento do Cozatti, um crítico sensacional e uma pessoa ultra generosa, foi seguida por Al Lewis e a mão do Clint Eastwood, e continua com mais dois falecimentos, de grandes profissionais ligados ao cinema.

BORO

Walerian Borowczyc, animador polonês (ele aderiu ao cinema 'live action' com quase 20 anos de militância) que dirigiu alguns dos mais importantes filmes ligados ao cinema fantástico do século passado, faleceu de ataque cardíaco, aos 82 anos (fiquei sabendo na segunda- feira). Todos nós que curtimos o cinema fantástico europeu sabemos da importância de 'Contos Imorais' e 'La Bete' em nossa formação. Filmes atrevidos, histórias 'grossas' (ou uma menina transando com o bicho papão é algo muito fino?) contadas de maneira poética, clima viajandão (em oposição ao horror 'realista' que acabou com a Hammer e se tornava moda na América), fotografia que lembrava pinturas em movimento (trabalhou várias vezes com o fotógrafo Luciano 'Suspiria' Tovoli, e seu fotógrafo favorito era Bernard Dallencourt, responsável pelos visuais de 'La bete'). Em minha modesta opinião, seu melhor filme foi 'Dr Jeckyll e as Mulheres', fantástica adaptação da clássica história de Robert Louis Stevenson que beira a pornografia (com o hilário detalhe do, digamos, tamanho do instrumento do bom doutor sendo mostrado de maneira indireta, e um hilário 'estupro' homossexual que é simplesmente estranho demais para ser acreditado.

O OUTRO AKIRA

Akira Ifikube, criador da sensacional trilha de 'Godzilla', o original, também embarcou para o andar superior, aos 91 anos. Pessoalmente acho que se tratava de um dos grandes de sua especialidade, perdendo nesse campo somente para Ennio Morricone, mesmo assim por pouco. Exagero meu? Procure nas Ebays da vida sua trilha para Godzilla,ouça e tente me desmentir. Ele foi, junto com o diretor Inishiro Honda e o técnico de efeitos especiais Eiji Tsuburuya, um dos responsáveis pela efetividade de 'Gojira', de 1954, até hoje um dos mais sombrios pesadelos já concebidos pelo cinema. Assim como a trilha de James Bond, a melodia de Godzilla foi sendo reutilizada em todas as trilhas que foram sendo 'criadas', aparecendo inclusive no último filme da série, 'Godzilla Final Wars'(aonde Keith Emerson prestou tributo a Ifikube). Ele também criou outras trilhas memoráveis, como a triologia 'Daimaijin', 'Latitude Zero' e o 'Zatoichi' original. Ifikube trabalhou até os 90 anos, sempre dando sua contribuição como maestro, orquestrador e compositor, seja para cinema, seja para TV, seja para qualquer meio que pode contar com seu talento.

Dois super talentos, que tiveram tempo de serem reverenciados e reconhecidos em vida. Descansem em paz.
(fotos roubadas do blog do Tim Lucas)

6.2.06

FÉRIAS ADIADAS

Se tudo tivesse dado certo, eu estaria adentrando hoje em meu primeiro período de férias. Trabalhei a mais (com direito a atrasar as atualizações do blog), tentei deixar tudo pronto para não deixar meus colegas na mão... mas tinha tanta coisa a ser feita que tive que adiar meu merecido descanso para o início de março, sujeito a atrasos. Ó Deus, ó vida...

VENDO FANTASMAS

A série ‘Gin Gwai’ (‘Vendo Fantasmas’), lançada internacionalmente como ‘The Eye’, adentra em sua terceira produção sem poder ser acusada de repetição. O primeiro filme da série, ‘The Eye (2000)’ (lançado em DVD no Brasil como ‘A Herança’) é um thriller de ação, o segundo, ‘The Eye 2’ (2004, lançado nos cinemas como ‘Visões’) é um pesado drama feminista sobre as atribulações que uma mulher passa durante sua gravidez, que pode ser colocado na mesma prateleira que ‘Repulsa ao Sexo’ e ‘Possessão’ sem causar nenhuma estranheza. Já o terceiro, que tem o exuberante título ‘The Eye 10’ (e saiu aqui, mais extravagantemente ainda, como ‘Visões 2’)... é uma comédia adolescente. Jovens de Hong Kong vão para a Tailândia (que deve ser uma espécie de Transilvânia da Ásia, pelo menos é o que eu estou aprendendo nos filmes asiáticos), aonde tem a brilhante idéia de ver se o livro que um deles comprou, ‘Como avistar espíritos’, funciona mesmo. Acaba sendo o mais oriental de toda a pretensa triologia (aonde nenhum filme tem nenhuma relação com os outros), no sentido que tem mudanças bruscas de ritmo, alternando (boas) cenas de suspense com (tolos) interlúdios cômicos. Requer uma boa dose de paciência do espectador (em especial em duas cenas: uma que o espírito dança break, outra em que os personagens começam a fazer piadas com flatulências em meio às almas penadas), mas recompensa com cenas estupendas, e a sempre fascinante mitologia budista sobre a vida além túmulo. E um final que lembra nada mais nada menos que o clássico ‘Terror nas Trevas(The Beyound – L’Aldila)’, de meu herói Lucio Fulci. Em resumo, o lado ‘sério’ da história leva nota 8, o lado ‘cômico’ leva nota 4. Média 6. Aprovado.

WOLF CREEK

Nada mal. Faz pela Austrália o que ‘O Massacre da Serra Elétrica’ fez pelo Texas. Bela história, muito bem levada, sobre uma turma de jovens que se perde pelos cafundós da Austrália e começa a ser perseguida por um caipira de hábitos sociais, digamos, condenáveis. Confirma uma tese do estudioso britânico Pete Tombs, de que se aprende mais sobre os hábitos dos povos vendo seus filmes de baixo orçamento de que seus filmes de arte, pois enquanto os segundos tendem a seguir o padrão francês, os primeiros, por seguirem menos regras e convenções, tendem a revelar mais detalhes da vida cotidiana de cada lugar.

MESTRES DO HORROR

Vi três dos quatro episódios da série a serem exibidos. O episódio 9 (‘Fair headed Child’, de William Malone, cuja única ‘qualidade’ para ser convidado para a série foi ter sido colega de quarto de Mick Garris) na ordem que foram exibidos, não na que está no site) chegou num formato meio esquisito (a imagem fica centralizada no meio da tela), estou tentando baixá-lo ‘direito’ para fazer uma resenha decente dele. Aqui estão os comentários:

‘Sick Girl’, de Lucky McKee

Belo episódio do diretor de ‘May’. Como bem nomeia o Leandro Caraça, é o episódio ‘das lésbicas e dos insetos’. Conto de fada moderno sobre uma bióloga lésbica e seu romance com uma menina que desenvolve, digamos, uma anormalidade relacionada com um inseto brasileiro que está se escondendo em algum lugar do apartamento em que as duas estão morando. Tenso, esquisito pra caramba, violento e com um belo final romântico.

‘Pick me up’, de Larry Cohen

Filme de estrada, com uma envelhecida Fairuza Balk (que há bem pouco tempo era uma adolescente linda em ‘Quase Famosos’) presa entre lendas urbanas nas estradas dos Estados Unidos. Episódio marcado pela presença sinistra de Michael Moriarty(o promotor Stone dos primeiros anos de ‘Lei & Ordem’) como o defensor dos passageiros de um ônibus ameaçado por um psicopata. A escolha de Cohen me surpreendeu, mas mais ainda me surpreendeu este ser um dos melhores episódios da série (quando eu ver o episódio que me falta, mais o de Miike – comento depois – eu posto minha lista de episódios por ordem de preferência), graças ao excelente roteiro de David Schnow (que escreveu o roteiro da seqüência de ‘O Massacra da Serra Elétrica’ que está para ser lançada nos Estados Unidos). Clima agressivo, fotografia ótima (acho que foi o primeiro da série a ser captado em vídeo – aquela câmera usada por Michael Mann em ‘Colateral’), atuações convincentes, e um final sensacional.

‘Haeckel Tale’, de John McNaughton

Esse episódio mudou várias vezes de mãos... começou sendo designado para ser dirigido por Roger Corman, depois foi ‘repassado’ para George Romero, acabou nas mãos de John McNaughton. Acabou sendo uma decepção, não por ser ruim (não é, tem pelo menos dois episódios piores que esse na série, o do ‘dono da bola’ Mick Garris e o de John Landis, que para minha surpresa foi adorado pelos meus queridos amigos ‘Airto’ Monteiro e Leandro Caraça), mas pelas altas expectativas levantadas. Inspirado num conto de Clive Barker, é uam variação no tema de Frankenstein, com um médico estudando as ações de um necromante que diz ter o poder de ressucitar os mortos. Dá a impressão de ter sido assumido na vigésima quinta hora por Mcnaughton e tocado no piloto automático. Boas idéias perdidas na direção meio irregular dos atores.

‘Inprint’, de Takeshi Miike

Decepção. Não com o episódio (a estréia de Miike em língua inglesa), mas com a emissora, que cancelou sua exibição sem dar maiores explicações. Tomara que ele seja lançado em DVD, ou exibido nessas plagas (quando algum misericordioso canal a cabo, ou aberto, resolva exibir essa série no Brasil) num futuro breve. Ou que alguma alma caridosa pirateie o mesmo e o jogue na rede. Toda pirataria será justificada


COZZATTI

Eu odeio ter que dar notícias assim... o crítico de cinema e psicólogo Luis César Cozatti, conhecido de todos que freqüentavam as sessões do Clube de Cinema, deixou este plano de existência no sábado à noite, tendo sido enterrado domingo de tarde (ontem). Citando Woody Allen (em um filme que eu tenho certeza que o Cozzati viu), ninguém queria que ele atingisse a imortalidade através de sua obra, todos queríamos que ele atingisse a imortalidade não morrendo. Como isso não é possível, nos resta o consolo que Cozatti viverá por muito tempo, em seus textos e na memória daqueles que o conheceram.

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