5.9.07

OS CÃES DE BAVA


Há alguns anos quem falava sobre as qualidades de 'Rabid Dogs' podia passar por esnobe (fala alguém que sempre o colocou entre as melhores produções dos anos 70). Por mais que o filme seja o máximo, ele era uma PRAGA de ser encontrado, pois só havia sido lançado na Itália, em uma edição quase caseira (pela Lucertola Media, microgravadora capitaneada pelo jornalista Peter Blumenstock, que normalmente lança trilhas sonoras obscuras em edições para colecionador), que estava esgotada desde 1998, e depois tinha havido um lançamento pirata alemão. E, claro, era uma constante no mercado de 'traders', que foi aonde eu havia conseguido a minha cópia. Logo, seu lançamento por um selo 'oficial' como a Anchor Bay, e a possibilidade de licenciamentos para todo o mundo (quem sabe para o Brasil...) era animadora. Não ia ser mais o 'nosso' filme secreto, outras pessoas iam poder entender o que víamos ali.. mas 'algo' ocorreu. Bom, mais fácil é contar a tortuosa história desta obra e comentar suas TRÊS versões oficiais, que circulam pelo mundo.

CIRCUNSTÂNCIAS

Bava pai vinha da decepção de ter seu 'Lisa e o Diabo' no limbo, sem encontrar distribuição em nenhum lugar do mundo (tal obra só seria lançada mundialmente em 1976, em uma versão bastardizada chamada 'Casa de Exorcismo'). Precisava se modernizar, mostrar que sabia se virar sem castelos e monstros, que estavam ficando fora de moda naquele 1974. Por isso topou rodar algo totalmente diferente do que já havia feito: um roteiro passado em tempo real, sem estilizações nem elementos sobrenaturais. Por sinal ia rodar em 16mm, tudo com o sol estourando, que ia dar ao filme um tom 'realista' como nunca havia sido visto na obra dele, que sempre tangenciou o cinema fantástico.

RODAGEM

A primeira de muitas catástrofes aconteceu quando um dos atores (o que representava o motorista sequestrado) adoeceu depois de uma semana de filmagem, e o trabalho, que ia durar apertadas quatro semanas, foi reduzido a três. O ator substituto, Riccardo Cucciola (mais conhecido por 'Sacco e Vanzetti'), faz o papel de maneira exemplar, chega a ser difícil imaginar outra pessoa no lugar dele. Desta vez se driblou o destino, mas depois ele se mostraria imponderável...

TRAGÉDIA

Com as filmagens principais completadas, uma 'working print' de Mario Bava pronta, a trilha composta e a necessidade de se filmarem mais alguns takes, o produtor morre num acidente de carro, o que ocasionou uma briga de sua esposa com os sócios da produtora e resultou na falência da mesma. Com isso, as latas de filme são sequestradas por um complexo processo de inventório judicial e ficam em um depósito, numa confusão dos diabos. Isso ocorreu no final de 1974. Mario Bava morreu em 1980, dando por perdidas duas de suas obras-primas, 'Lisa e o Diabo' (que só foi lançada em sua versão original em meados dos anos 80, quando lançar 'Casa de Exorcismo' para a TV se mostrou inviável e o produtor acabou lançando a versão original) e 'Rabid Dogs'.

LEA

Em meados dos anos 90 a atriz Lea Lander, que fazia o papel de refém, conseguiu adquirir os direitos sobre o filme. Para montá-lo e lançá-lo contatou Lamberto Bava, filho do homem e co-diretor, mais os jornalistas Peter Blumenstock e Tim Lucas, que se encarregaram de providenciar um lançamento através da gravadora do primeiro. Essa versão era basicamente o 'workprint' de Bava pai, acrescido de um brilhante take inicial (feito por Blumenstock), de uma mulher chorando. Foi feito o lançamento inicial, foi exibido em festivais e sessões especiais (como a do Comodoro, em São Paulo) e ficou mais ou menos por isso mesmo. Os poucos que viram essa versão ficaram encantados, os estudiosos de Bava puderam ver a obra que ficou um quarto de século escondida, mas para o público geral 'Rabid Dogs' continuou sendo um filme perdido.


DUAS VERSÕES MAIS


Na virada do século o filme foi adquirido por Alfred Leone, que foi produtor de Bava e está providenciando o relançamento da obra completa dele em DVD. Por mais que gostasse do filme, achava que ele era inadequado para lançamento em cinema (e DVD) nos dias de hoje. Por isso, filmou mais ou menos 20 minutos de novas cenas (dirigidas por Lamberto e Roy Bava), passadas dentro de uma delegacia, e providenciou uma nova trilha sonora, mais 'discreta' e incidental, do mesmo Stelvio Cipriani que compôs a trilha original. Em minha modesta opinião estas cenas novas pioram o filme, roubando-lhe muito da urgência e diminuindo o clima de claustrofobia do original. A nova música é mais 'palateável' que a original, mais moderna, sem o charme sententista da balançante 'banda sonora' usada anteriormente.


Caso esta fosse a única versão lançada mereceria a execração pública, mas houve o imenso bom sendo de dar ao espectador a chance de compar a 'versão do produtor' Leone com a visão original imaginada por Bava pai. Na verdade é praticamente o mesmo corte que havia sido lançada em DVD por Blumenstock, com créditos diferentes (solarizados em verde e vermelho) e sem o 'shot' inicial citado. Além disso o DVD contém um documentário sobre as circunstâncias acidentadas da obra, e o comentário de Tim Lucas, biógrafo do diretor. Em resumo, um DVD obrigatório para o crescente fã-clube de Bava.

Comments:
Jornalismo bem feito é isso aí. E fico com minha cópia da versão de Mario Bava.
 
Uma puta história. Ainda não vi o filme mas aos poucos vou me familiarizando com o cinema de Bava...
 
E eu fico com minha cópia da cópia do Caraça.
 
Filmaço. Fiquei chapado quando vi o filme na Sessão do Comodoro. Só não comprei esta versão da Anchor Bay porque tenho esperança de que saia em um volume futuro dos boxes que o selo vem lançando. Por falar nisto, o volume 2 está uma delícia, hein?

Guilherme Gaspar
 
Puta merda! esses caras são muito burros! Ainda se houvesse a justificativa de lançar nos cinemas, a gente poderia fazer um esforço prá compreender a idiotice do produtor sob o pretexto de "explicar e modernizar" o filme, mas...

"Rabid Dogs" é super moderno! E depois, se o filme está sendo lançado direto em DVD, seu principal público-alvo são os fãs de Bava e os fãs do cinema italiano setentista. Td. bem q. se pode e se deve buscar alargar esse público, mas o caminho encontrado é tão equivocado q. impressiona pela estupidez dos envolvidos.

Ainda assim, se for lançado por aqui, vou querer a minha cópia por conta dos extras e da exclusão do plano de abertura, a outra versão, vou fazer de conta q. não existe!
 
Aguilar, houve um lançamento limitado no cinema, e parece que o filme andou aparecendo por algums canais de pay per view 'fantasiado' de filme 'moderno' (pois esses canais de cabo independentes americanos se recusam a exibir filmes com mais de cinco anos de idade). Não sei se isso justifica essas atitudes do produtor, mas, como já disse, menos mal que existe a versão original, senão eu ia ficar MUITO puto da vida por ele ter mutilado um filme tão próximo da perfeição como esse. Guilherme, tenho todos os filmes do box 2, mas se o preço estiver tão convidativo quanto o primeiro (que eu comprei por 20 dólares mais postagem) acabo levando ele também e ficando com os DVDs repetidos como moeda de troca para algum futuro escambo. Como 'Dogs' está sendo 'marketeado' (essa palavar existe?) como um filme novo (e não como clássico) ele não deve entrar nesses boxes da Anchor Bay tão cedo.
 
Sempre pensei que aquela cena inicial era coisa de Bava! Quando o final fodão chegou e eu fui sacar porque aquela mulher estava chorando, soltei um inevitável PQP! por causa de tamanha vibração.

Blumenstock não foi só brilhante, mas também genial. Ele conseguiu deixar o filme ainda mais extraordinário.

Tenho uma cópia DivX da versão da Lucertola Media na minha coleção. :)
 
Excelente texto, desconhecia vários detalhes. A versao da Lucertola é a minha predileta. Obra-prima!
 
A cena inicial estava prevista no roteiro, quando da finalização do filme os 'executantes da massa falida' perceberam que ia ser fácil executá-la. A mulher, por sinal, é a esposa de Blumenstock.
 
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